Para onde?
domingo, 5 de agosto de 2012 | Opine aqui

Eu me olhei no espelho há pouco: você não acreditaria na minha cara. Meu Deus, como eu estou velho, tô ficando careca e cheio de rugas, mais ou menos como eu achei que iria me parecer em 20 anos ou algo assim. O abandono envelhece a gente, não é? A solidão envelhece a gente, porque os anos vão passando, vão passando rápido e a gente ficando, pulando de mentira em mentira até perceber que não temos mais tempo para a verdade, que não sobrou tempo para viver a dois, que a solidão consumiu nossa vida como as labaredas de um incêndio consomem um lar. Morremos lentamente todos os dias em frente ao espelho sem perceber, bebemos todos os dias para alcançar a nossa morte, fumamos como condenados à autodestruição, porque assim é menos doloroso. Como se cada minuto passado aqui fosse um minuto a mais de dor. Como se a Terra fosse alguma espécie de “terra prometida” da qual não somos merecedores, num paradoxo ao qual nos propomos: não merecemos a Terra porque somos sós, mas somos sós porque não merecemos a Terra. Ouroboros, não é? A serpente que morde a própria cauda. O que você diria se estivesse aqui?
Sabe, estive muito satisfeito na minha condição antes que tu aparecesses, eu me aceitava só, me aceitava bicho, causa perdida que sempre fui. Conseguia me olhar todos os dias no espelho e esquecer que aquilo era um dia a menos, uma dor a mais. Agora, com tua chegada e partida, tudo que consigo fazer é olhar no espelho e ver tua sombra na minha face, em cada movimento meu, cada ruga nova, cada fio de barba que sempre deixo por fazer, cada pequeno detalhe de algo tão inútil que se tornou a minha vida na tua falta.
Desiludido, conseguirei galgar minha vida entre estas noites infinitas e silêncios inevitáveis até que me seja chegada a hora? As ilusões perdida, com certeza, farão isto parecer muito mais rápido e entre um erro e outro já terei envelhecido e não será possível fazer nada: a vida voará na possibilidade de uma estrada nunca edificada a minha frente, a vida voará no que nunca foi. Em todas as direções apontarão meus dois pés que discordam e jamais saberei o que fazer. A mentira me acompanhará nos constantes erros de caminho e nos constantes recomeços onde talvez já um tanto confuso me perguntarei: “José, para onde?”


Seja o que for

"Onde queres o ato, eu sou o espírito e onde queres ternura, eu sou tesão. Onde queres o livre, decassílabo e onde buscas o anjo, sou mulher. Onde queres prazer, sou o que dói e onde queres tortura, mansidão. Onde queres um lar, revolução e onde queres bandido, sou herói" Caetano

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Para Jéssica,
porque "o que obviamente não presta
sempre me interessou".

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Soneto de Fidelidade

"De tudo ao meu amor serei atento
Antes, e com tal zelo, e sempre, e tanto
Que mesmo em face do maior encanto
Dele se encante mais meu pensamento.

Quero vivê-lo em cada vão momento
E em seu louvor hei de espalhar meu canto
E rir meu riso e derramar meu pranto
Ao seu pesar ou seu contentamento.

E assim, quando mais tarde me procure
Quem sabe a morte, angústia de quem vive
Quem sabe a solidão, fim de quem ama

Eu possa dizer do amor (que tive):
Que não seja imortal, posto que é chama
Mas que seja infinito enquanto dure."