Bastidores
sábado, 30 de abril de 2011 | Opine aqui

"Não me troquei
Voltei correndo ao nosso lar
Voltei pra me certificar
Que tu nunca mais vais voltar
Vais voltar vais voltar"
Chico Buarque

Cantara pra te maldizer, cantara pra não te amar. Cantara pra te esquecer. E sabe que todos me aplaudiram de pé? Bem mais que nas outras noites quando cantei pra mim mesma. Obviamente saí correndo depois do show, vestido longo de gala levantado à altura dos joelhos para ganhar rapidez. Só o bilhete que havia recebido me fez correr. Correr feito besta na Avenida Paulista, vestido pelos joelhos, rosto marcado pela maquiagem que descia com as lágrimas de tristeza ou de alegria, não sei. Agora já é demasiado tarde para pensar naquilo com detalhismo e até mesmo delicadeza. O momento se resume em mim correndo de saia levantada pela Paulista, lágrimas e maquiagem escorrendo pelo rosto. A porta da casa caiada se via o fundo, sim, beco sem saída, a casa fecha o beco. É uma casa bonita: dois andares, dessas estilo anos 50 que quase não se encontra mais no centro da cidade. Porta aberta na casa caiada. Cada passo que dava em direção à ela tinha mais certeza, tinha mais medo. As lágrimas antes tão difusas tornavam-se claramente em lágrimas de tristeza, tristeza absoluta. Quando entrei na casa aberta tudo parecia mais vazio, mesmo que não tenha nada fora do lugar. Sala arrumada. Cozinha arrumada. Banheiro também. Quando cheguei ao quarto é que percebi tua partida, tua partida sem volta. Armário aberto sem roupas masculinas, denunciando que esta e é a casa de uma nova mulher sozinha, curtida pela vida, chorando e até talvez currada, mas sozinha. Cantei baixinho, cantar é minha sina, assim como ser abandonada, já fui abandonada por tantos, tantos que agora já não tem nome. Virei tua mulher, cansei de esperar-te partir e me assentei, começamos a morar juntos, pequenos burgueses, na casa caiada, beco Marechal Deodoro, até quando partiu. Partiu levando meu coração em meio à bagagem, à camisas velhas e sapatos novos. Naquele dia não dormi - ao contrário dos próximos, onde acharia tudo patético e depressivo e tedioso - fiquei na porta, esperando a volta. Não voltou naquele dia, nem no outro nem no outro nem no outro. Aí começou a depressão, os cigarros, o whisky, aí começou a música triste e lenta em meu show. Ainda escuto de madrugada o som achando ser o teu, alguma voz masculina. Todas as vezes corro para a porta e não é nada ou é só o gato ou é só o leiteiro lá fora. Nada mais. Ainda choro. Desde aquele dia não passei por esta dor, e sim esta dor passou de mim, me transcende. Choro. Hoje tem show, vou procurar por ti na cara dos homens da plateia ou até mesmo no corpo deles. Sei que depois do show voltarei correndo ao nosso lar, só para me certificar que tu nunca mais vais voltar. Continuarei sentada à porta, até que passe esta grande dor. Continuarei a te esperar. Seja chorando ou cantando. Continuarei a te esperar. E não só hoje, como nos outros e nos outros e nos outros shows, sempre voltarei ao camarim, ou só ou acompanhada por outro e por outro e por outro. E neles procurarei o teu membro, tuas coxas sobre minhas coxas. E neles te amarei. E depois partirei, partirei sem deixa vestígios de mim em seus corpos nus, como você fez comigo. Partirei. E nos dias que não encontrar contigo em outro homem, volto correndo ao lar, vestido de gala pelos joelhos, lágrimas e maquiagem borrando o rosto. Sem nem me trocar, só para me certificar, que tu nunca mais vais voltar vais voltar. Vais voltar.


Cigarro
quarta-feira, 6 de abril de 2011 | Opine aqui

"Reparei apenas numa mancha de batom.
'Apenas' porque não tenho fé.
Ele fumava as mulheres."
Fabrício Carpinejar

O cigarro demora a acender dessa vez. Estou chorando a perda do que ainda não partiu. Estou fumando a tua perda. Fumando lentamente, olhando os carros passarem apressados na rua abaixo, as pessoas indo a lugar nenhum, ouvindo música triste baixinho, bebendo whisky doze anos.
Você ainda não foi embora, mas não está mais comigo, não te sinto mais aqui. Cada vez que olho em teus olhos, não há nada, teus olhos estão vazios, teus beijos estão vazios, tanto que de vez em quando me faz pensar que está tudo perdido, como agora. Está tudo perdido, tudo perdido. Sabe que eu tento dizer a mim mesmo que não tenho com o que me preocupar, que isso é "pedra rolante", não cria limo. Mas todas as vezes sou vencido pelos pensamentos de que tudo se perdeu.
E enfim chego à mim parado na sacada do prédio velho, fumando, tentando fazer aqueles anéis de fumaça que nunca consegui, chorando um pouco, mas baixinho, os vizinhos não podem ouvir. A rua movimentadíssima abaixo não parece mais movimentada que meu coração. Bombeando sangue sangue sangue. Arterial e venoso. Disparado. Sempre que eu penso em coisas ruins ele fica assim, disparado, alarmado, desde criança. Deve ser primitivismo desse meu espírito xucro.
Fumo mais rápido agora, choro mais alto, já sem medo de ser ouvido por vizinho algum. O cigarro está chegando ao fim e logo será possível sentir o gosto da nicotina, o gosto horrível da nicotina. Só agora percebi que peguei teu maço de cigarros, pois quando abro para pegar outro cigarro percebo uma marca de batom em um cigarro que foi parar nos teus lábios, mas que acabou não sendo fumado. Aguarda pacientemente, sujo de batom. Ao olhar aquele cigarro sujo, um leve riso passa por meu rosto, lembro do batom vermelho-maçã que você usa, tão linda. Mesmo com a tentativa de riso e de lembrança, continuo chorando.
Trêmulas minhas mãos roubam mais um cigarro da tua carteira quase cheia, acendo. Este acende rápido. Inspiro profundo.
Choro quase gritando agora, relembro quase gritando agora. E finalmente expurgo a fumaça do teu cigarro de dentro de mim.
Você não está mais em meus pulmões.
E nem em meu coração.


Seja o que for

"Onde queres o ato, eu sou o espírito e onde queres ternura, eu sou tesão. Onde queres o livre, decassílabo e onde buscas o anjo, sou mulher. Onde queres prazer, sou o que dói e onde queres tortura, mansidão. Onde queres um lar, revolução e onde queres bandido, sou herói" Caetano

O blog

Para Jéssica,
porque "o que obviamente não presta
sempre me interessou".

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Soneto de Fidelidade

"De tudo ao meu amor serei atento
Antes, e com tal zelo, e sempre, e tanto
Que mesmo em face do maior encanto
Dele se encante mais meu pensamento.

Quero vivê-lo em cada vão momento
E em seu louvor hei de espalhar meu canto
E rir meu riso e derramar meu pranto
Ao seu pesar ou seu contentamento.

E assim, quando mais tarde me procure
Quem sabe a morte, angústia de quem vive
Quem sabe a solidão, fim de quem ama

Eu possa dizer do amor (que tive):
Que não seja imortal, posto que é chama
Mas que seja infinito enquanto dure."