Lei
domingo, 13 de maio de 2012 |
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"É difícil de explicar
esse sofrimento seco,
sem qualquer lágrima de amor,
sentimento de homens juntos,
que se comunicam sem gesto
e sem palavras se invadem,
se aproximam, se compreendem
e se calam sem orgulho."
Carlos Drummond de Andrade
"Qual a minha lei?" Tu perguntarias constrangido em meio aos tantos barulhos feitos pelos que agora passam sem saber que ali nos encontramos nós dois, perdidos, esfomeados: nós dois. Te respondo: vou te dizer tua lei, a minha, a nossa lei: permanecer incógnito. Permanecereis incógnito para sempre entre a multidão de passantes que nem se importam com a tua dor tão pequena diante dessas mazelas todas do mundo que vemos todos os dias nos jornais. Permanecerei incógnito nas parcelas que me cabem de alegria após cada final de festa onde levarei qualquer um para um quarto sujo nessa cidade qualquer e farei um sexo sem nome que ainda tenho a vontade de chamar de amor. Permaneceremos incógnitos nas nossas próprias idiossincrasias e não falaremos alto, não aumentaremos o volume do rádio, não dançaremos aos sons dos pops eletrificantes de todos os sábados, não fumaremos, não beberemos, não usaremos drogas, não foderemos nem que disso dependa tudo. Permaneceremos incógnitos, perdidos nas multidões, na multidão de gentes e transeuntes cinzas, todos cinzas, que acordam todos os dias às seis horas da manhã e vão pro trabalho e esperam o final de semana apenas para dormir dormir dormir em tempo integral. Fingiremos. Eis a palavra, ecce verbum: fingiremos. Fingiremos a sensatez dos justos, o reservismo dos pais de famíla - que muitas vezes se emborcam nas zonas traindo as suas esposas e mesmo assim continuam nos julgando: "o homem não presta, não presta, meu deus" - manteremos tudo na fachada do que não somos nem nunca seremos, porque a nossa condição exige que sejamos nós, bichos da noite se enveredando por becos sem fim para um quase amor com cada rapaz que nos chame pelo nome de um jeito carinhoso e tenha uma boca boa para ser beijada. Essa é a nossa condição e não podemos negar. A libido. A luxúria. A festa. Santo deus, a droga. Não fujamos. Finjamos. Você sabe muito e tão bem quanto eu que nunca seguiremos nossa única lei, nunca seremos a mãe ou o pai de família, a tia, o tio, o irmão, o avô, nunca seremos os trabalhadores cinzas de todos os dias, nunca seremos a massa, o todo, mas pelo menos finjamos. Finjamos não ser marginais, não ser pornográficos, não ser fingidos. Finjamos todos os dias com um sorriso no rosto de fora a fora que indica uma noite bem dormida, uma satisfação boba de quem se aliena e não vive. Vivamos. Vivamos fingindo e nos embrenhemos na noite onde nada é visto, nos becos, nas boates, nas bebidas, nas drogas, nos cigarros que fumamos um após o outro sem parar ofegantes até quando o pulmão, a mão, o rosto, a mente aguentar tanta libertinagem, até que nossos ossos enfraqueçam sob a pele gasta e já não possamos ser quem um dia fomos. Aí não fingiremos mais, aí sim não seremos nada além de nós: velhos decrépitos e perdidos de tantos mares de dor e tantas coisas que fizemos errado. Errado? Quem diz o certo e o errado? Quem diz o que se pode e o que não se pode? Cago pra sociedade, mas finjo e, sinceramente, não me entendo. Não entendo nenhum homem, meu deus. Não entendo. E apenas finjo, finjo nos meus sorrisos vagos entender tuas dores, entender teus pedidos que não sei, porque os achava satisfeitos, mas não, precisas sempre mais, mais atenção, mais conforto, mais proximidade, quer sempre mais, quer que nos fundamos em um, é isso. Quer tudo comigo. Desisto. Ando me perdendo muito nessas minhas falas infinitas que sempre te alugo em ouvir, talvez esteja mesmo chegando meu tempo de velho, meu tempo de tempos idos e ilusões - as quais não tive muitas - perdidas. Te digo apenas isso: fuja, fuja de mim enquanto pode e vai viver tua vida. Sem perguntar por lei nenhuma. "Faz o que tu queres, há de ser tudo da lei", baby. Viva viva. Viva viva uma mentira. Viva viva. Viva o fingimento, viva a lei que não existe, viva nós e viva tudo que um dia mentimos. Viva o trabalhador cinza, pois para cada um deles existe uma Frida Kahlo, perdida por aí, tão cheia de cores que nos perderíamos em sua imagem fulgurosa. Viva. Viva uma vida sem significados e sem drama nenhum. Viva uma vida mentirosa e sem lei. Viva a lei (que sempre e tanto e mesmo e muito fingiremos cumprir,
mas não cumpriremos).
Seja o que for
"Onde queres o ato, eu sou o espírito
e onde queres ternura, eu sou tesão.
Onde queres o livre, decassílabo
e onde buscas o anjo, sou mulher.
Onde queres prazer, sou o que dói
e onde queres tortura, mansidão.
Onde queres um lar, revolução
e onde queres bandido, sou herói"
Caetano
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Para Jéssica,
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sempre me interessou".
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Soneto de Fidelidade
"De tudo ao meu amor serei atento
Antes, e com tal zelo, e sempre, e tanto
Que mesmo em face do maior encanto
Dele se encante mais meu pensamento.
Quero vivê-lo em cada vão momento
E em seu louvor hei de espalhar meu canto
E rir meu riso e derramar meu pranto
Ao seu pesar ou seu contentamento.
E assim, quando mais tarde me procure
Quem sabe a morte, angústia de quem vive
Quem sabe a solidão, fim de quem ama
Eu possa dizer do amor (que tive):
Que não seja imortal, posto que é chama
Mas que seja infinito enquanto dure."