Let It Bleed
quarta-feira, 29 de maio de 2013 |
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"She said, "My breasts, they will always be open
Baby, you can rest your weary head right on me
And there will always be a space in my parking lot
When you need a little coke and sympathy""
The Rolling Stones
Ah! quisera eu
banhar-me em teu corpo nu
e ao banhar-me em teu corpo nu
banhar-me também em todos
teu segredos
teus medos
tuas vidas passadas
teu desejos
tuas noites
que se perderam
em acalantos
e luares inexplicados
em estrelas já mortas
em anos-luz infinitos
Banhar-me nesse mistério
que é tua feminilidade
teu nome pagão
tua voz rouca
e teu cheiro sempre novo
que me trazem sempre
para junto dos teus braços
para o meio dos teus seios
para o interior das tuas coxas
para a tua cama
e banhando-me no mistério
estou ciente de tudo
do que é ser.
Te ser.
Como nunca fui ninguém
e em dois ser um,
mistério do amor
carnal
vagabundo
desbocado
que construímos
comunhão de um todo
inexplicável, inexato,
que existe entre nós
(ah! se pudéssemos)
Ah! se pudesse banhar-me em ti
e se todo teu
e ser todo tu (ser-te)
ah! se eu ousasse
amar assim como falo (minto)
descaradamente
ah! quisera eu.
Qualquer coisa
domingo, 28 de abril de 2013 |
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"Esse papo já tá qualquer coisa,
você já tá pra lá de Marrakesh."
Caetano Veloso
noite
céu azul-marinho
no chão da grande
cidade grande
uma mancha cor de sangue
bordô
como qualquer vinho barato
que nós tenhamos provado
tempos atrás
e na mancha
um grito perdido
um grito ao longe
que parece pedir ajuda(?)
não sei
um grito que reflete
a mancha que reflete a lua
que ainda vai varar a madrugada
que eu bêbado esquecerei
ou condensarei
num momento vazio
ao lado de tudo
na casa grande
nas pessoas difusas
nas drogas várias
no som tão alto
um momento que não represente
nada
além de uma noite qualquer
entre junho e agosto
quando é mais frio
e a gente neva por dentro
e para na rua
para ver manchas de sangue
e grito longínquos
e para misturar a estas manchas
vômito e mijo
(um pouco do nosso caos interior)
um pouco de tudo
para diluir
e entre vômito
mijo
e sangue
fazê-las parecerem conosco
tão repulsivas
por serem tão cheias de
hu-ma-ni-da-de
(Somente) À Noite
segunda-feira, 31 de dezembro de 2012 |
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(APARENTE HISTÓRIA DE DESVÃOS NA GRANDE CIDADE GRANDE)
"A cidade é grande
tem quatro milhões de habitantes e tu és uma só.
[...]
Mas que esperança! Tenho
uma chance em quatro milhões.
Ah, se ao menos fosse mil
disseminada pela cidade."
Ferreira Gullar
Uma rua deserta
um homem que corre
noite
(minha mão em teu seio)
uma luz de alguma porta
de alguma casa de família
lhe ilumina a face
tão triste, tão só
(meu lábio em teu lábio)
corre o rapaz mais triste do mundo
sabendo de um destino
que já não o aguarda
(nossas mãos unidas sobre a cama)
na direção do fundo
de uma cidade morta
disparada como um cavaleiro a galope
dispara como se com o braço
pudesse alcançar a esperança
(teu suor, nosso cansaço compartilhado)
e chega, talvez ao fundo da cidade
talvez ao fundo de si
lá onde a amante se esconde
no mais escuro do moço que corre
no mais distante de tudo que já havia conhecido
(a luz, a luz de nossos cigarros acessos)
e na dor da alegria
que sente tão fundo
permite-se amar
descobre-se uma mentira
em tudo que já foi
tudo que ainda será
e se esconde nas garras
de uma amante invisível
(ah! quisera eu a eternidade para perder-me em teus desvãos).
A morte te reduz a ela mesma.
segunda-feira, 10 de dezembro de 2012 |
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"Não se pode ser infeliz, não se pode morrer em vida, não se pode desistir de amar, de criar. Não se pode: é pecado, é proibido [...] Não é possível adiar a vida."
Caio Fernando Abreu
A vida arde no mais fundo da terra, no mais dentro de nós. Grita débil por uma mudança, um passo à frente, uma libertação mais ampla de toda esta coisa que pensam os outros, que insistimos em ouvir. A morte, em contra-partida, freme e pulsa ao nosso lado, como um medo constante. Os homens morrem e fica somente a lembrança deles, a lembrança inócua, desmanchada pela distância e por nossas crenças mesquinhas. Fica a lembrança mentirosa de cada homem que se vai, de cada ciclo que morre, de ondas, de coisas efêmera e sucessíveis. A verdade não se encontra na boca de ninguém. Não existe. A verdade deixou de existir com a pré-história. Aqui é "cada um se vira como pode", com suas histórias, com suas mentiras, com suas tantas fatalidades que são suas e de mais ninguém. A vida segue e freme e pulsa por coragem, pede sedenta por liberdade. Não quer rendas imaculadas estendidas sobre um leito de casal. Quer sangue e merda e lodo, pulsa por ter de volta a verdade há tanto perdida, pulsa e freme e bate e sua, sem pudor, por uma noite a mais de perdição, um amor falso. Pede por tudo aquilo que o medo nos inibe: tudo aquilo que todo mundo pensa, que todo mundo é. A vida exige. E exige que hoje mesmo se saia de casa pelas ruas a gritar, se tire a roupa no meio da praça, se ame sem culpa. A vida exige o que a gente quer no mais fundo da gente. E por tudo isso a gente sofre. No teu quarto de noite tu choras, com medo, não mais dos fantasmas embaixo da cama, mas por causa do fantasmas que deixaram em ti. Dos pensamentes que te impedem de um movimento brusco, de um beijo inesperado, de um olhar. Sofres pelas tuas limitações, sangras por elas. E a vida uiva pela tua loucura, a vida uiva para além do teu choro, para além das quatro paredes onde talvez libertes tudo aquilo que queria em ti e para ti por tanto tempo, onde talvez vivas. A vida uiva pela rua como um cão sem dono. E e nesse uivar se opõe a morte, a morte de ti em ti mesmo. A morte companheira que nasceu contigo e vai te reduzindo. Te mantendo com os pés no chão, te lembrando de não fazer isto ou aquilo. Te lembrando de não viver. A morte te reduz ao nada. E te deixa um gosto amargo na língua. A morte te prende. Morres em ti mesmo todos os dias quando evitas qualquer coisa, quando não amas integralmente, quando descansas tua face cansada na janela do ônibus indo para o trabalho. Morres em ti mesmo quando preferes as rendas brancas imaculadas ao lodo, ao caos, à merda. A morte te reduz a ela mesma. E te cala. Calado, mudo, submisso, paras de morrer em vida, e morre. Morre embebido na morte que tu mesmo construíste. E nessa tua morte total, quando ainda se fechar o caixão sobre teu cadáver, que um dia há de virar carcaça, ainda se poderá ouvir um último suspiro de vida guardada em ti, vida que tanto tempo esperou pela liberdade a ser cometida. Queira Deus, que quando enterrem esta coisa que foi tu e que talvez já nem coisa seja, venham aqueles, aqueles que já virão depois de ti e que não têm medo de nada, aqueles que vivem, que venham eles e brinquem com tua carcaça.
E por isso o grito.
quarta-feira, 17 de outubro de 2012 |
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"Oh, mirror in the sky, what is love?"
Fleetwood Mac
porque nisso tem o início, o fim e aí o meio e tudo que aconteceu e tudo que eu te fiz e tudo que você me fez e todos os desencontros desse meio tempo que nos trouxeram a um inevitável e fatídico agora. um agora que prescinde de uma morte em tudo para talvez um ressurreição próxima e abrasadora que possa, como este cristo que tanto cito sem acreditar, destruir o templo e reconstruí-lo em três dias, que foi sempre minha esperança. desconstruir-nos e reconstruir a nós dois rápido e tão perfeitamente quanto antes, onde tudo era mais fácil e quem sabe sem mágoas (constantes) que nos perseguem agora entre as poucas memórias de alguns sorrisos bobos.
a nossa vida prescinde da morte e o nosso espírito da ressurreição em um. e por isso o grito, por isso a sentença se anuncia bruta e breve, logo ali em frente a execução esperando ser "acontecida". a execução fatídica que há de ser feita por mim ou por ti para o fim de todos os teus males e de todos os meus males, amém.
uma execução da alma nossa e da nossa relação que não deixará ressentimentos, um corte ao cordão umbilical que nos une para que enfim se possa viver independente, dono do próprio destino, à mercê do outro: algo que não sou há muito. precisamos do corte para aí então revivermos independentes e talvez mais próximos pela própria independência construída com mais um final em nós mesmos.
me reconforta a ilusão de pensar que talvez tu tenhas mesmo percebido esse independência necessárias em nós dois e por isso mesmo tenha me matado em ti há algum tempo e por isso mesmo pareças tão solto na busca de outros recantos tantos tão separados de mim.
chegou a minha vez, a hora da estrela, preciso de uma morte tua, já anunciada ao primeiro ruir desta "gestação" ruim que tens me sido. e não sei como te matar por dentro sem te matar por fora, para que meus olhos vejam nos teus olhos nus de todo sentimento, um último relance de tudo aquilo que construímos e ruiu depois de tanto tempo: o nosso templo. preciso da destruição final do templo na tua face para a minha reconstrução em três dias. e por isso o grito.
e por isso torno às ações concretas e sinto quente a força em minha mão ao segurar o bastão que se estende agora como extensão de meu braço nu. o foco dos meus olhos desvairados vai para tuas costas, tua nuca, no ponto exato onde preciso acertar apenas uma vez para destruir tudo isso. um momento de hesitação antes de levantar o braço e me vem a memória da breve ressurreição em vida e de tudo que um dia foi bom. e então levanto o braço e chamo teu nome para que te vires e eu possa ver a última luz varar teus olhos. a queda acontece um milhar de vezes na minha mente e te acerto. e te destruo e te quebro em cacos tão pequenos quanto os grãos de poeira que se espalham por todo o ar.
e neste instante me abana a loucura, como uma companheira, a me encarar, abrindo a mão, abrindo o jogo e me mostrando que não há ressurreição em mim, que nunca houve e que agora não passo de um templo vazio, "um templo sem deus". o pavor me invade a alma junto às partículas de pó que me invadem os pulmões e que alguns momentos atrás foram tu mesmo:
e por isso o grito.